Bebi durante 40 anos, mas nunca me considerei um alcoólico. Em minha percepção, alcoólico era alguém que vivia sujo, urinando e caído no chão. Não eu, que bebia “socialmente” e só ficava alcoolizado de vez em quando, geralmente ao festejar alguma coisa.

Quando fiquei desempregado e já não conseguia trabalho, passei a beber com mais frequência. Não era mais só cerveja, incluí cachaça por falta de dinheiro. Depois fui para o corote, barrigudinha, pinga com raízes, etc.

As brigas em casa com a família, que eram moderadas, tornaram-se mais frequentes e depois diárias. Minha esposa não aguentava mais, só me suportava por me amar. Ela sempre dizia: Você sem beber é um homem completamente diferente de quando bebe; se continuar assim, vamos nos separar.

No dia seguinte saí para tomar a primeira dose, “só para almoçar”. Ela implorou-me para não ir. Fui, prometendo voltar logo, mas voltei às três horas da manhã do dia seguinte, completamente bêbado – de novo. Brigamos, dei-lhe um empurrão. Não fiz pior porque ela correu e trancou-se no quarto.

Ao amanhecer, ela não foi trabalhar, não dormiu nada à noite. Ficou o dia todo no quarto chorando. Em minha costumeira ressaca, me arrependi. Mas não foi como em outras centenas de vezes. Foi um arrependimento sincero. Chorei de joelhos no corredor do quintal molhado pela chuva. Meditei sobre todas as brigas que aconteceram em minhas bebedeiras.

Então perguntei-lhe como funcionava, ele respondeu apenas: Vamos lá, vou sair às 19:40 horas e te levo, tem uma cadeira lá te esperando.

Fui e ao chegar no Grupo Paz, no bairro Jardim Helena, em São Paulo – SP, fui recebido por pessoas estranhas como se me conhecem há tempos. 

Após ouvir os depoimentos dos membros, percebi que ali estavam os meus iguais, só que conseguiam evitar o primeiro gole, um dia de cada vez.

Acreditei, estou lá até hoje e não bebo mais. Participo ativamente nos Três Legados de A.A.: Recuperação, Unidade e Serviço. Atuo no Comitê Trabalhando com os Outros, abro a sala do meu grupo-base aos domingos – ocasiões que coordeno – esperando outros doentes de alcoolismo que querem parar de beber.

Minha esposa diz que agora ela está com o homem com quem sonhou se casar. Eu convivo com a mesma esposa, só adormeci o homem que ela começou a odiar, sabendo que, para acordá-lo, basta um gole. Quem sabe à risca dos Doze Passos sempre contará com proteção de um Poder Superior, que concebo com o meu Deus.

Autor: Messias, Área 04 - SP.
Fonte: Revista Vivência, edição 203, páginas 27 e 28.