Ao fazer o sexto passo, ela descobriu o caminho da maturidade, mesmo sem conseguir se libertar – ainda – de alguns defeitos de caráter.
Quando me dispus a fazer um trabalho comigo à luz do Sexto Passo, estava num momento da minha vida em que me sentia zangada com o mundo. No entanto, quase sem perceber, fui traçando pequenos objetivos que acabaram por fazer a diferença em meu crescimento.
Este é o passo que distingue os adultos dos adolescentes, pois implica ação e responsabilidade. Ao colocá-lo em prática, depressa percebi que esse passo nunca estará concluído: o que posso fazer é continuar tentando libertar-me de meus defeitos de caráter.
Para chegar ao Sexto Passo, comecei pelo Primeiro, percebendo ser impotente perante o álcool e que minha vida tinha ficado ingovernável. Não foi fácil chegar até aqui, pois meus defeitos de caráter, que àquela altura estavam sobre dimensionados, não me permitiram admitir essa derrota facilmente.
Dispus-me inteiramente a aceitar todas as sugestões do programa de recuperação, assim, minha obsessão pelo álcool foi desaparecendo. Ainda hoje me pergunto como foi possível, mas depois, penso que isso não é importante, pois segui sugestões que há mais de 80 anos são usadas com sucesso por alcoólicos em recuperação.
Admitir que tinha um problema com álcool, e que queria parar de sofrer, eu admiti; mas minha cabeça estava tão confusa que não sabia o que era desgoverno. Levei meses a trabalhar o Primeiro Passo, com ajuda da minha madrinha, até perceber que existem diversas áreas de minha vida que ficaram afetadas pelo modo como eu dirigia. Só com o Primeiro Passo entendi esse desgoverno em nível emocional, afetivo, nos relacionamentos, no trabalho, na família, com dinheiro, com lazer, com meu corpo e meu espírito, com os valores que perdi, ou, fiz, adormecerem.
O Segundo e Terceiro Passos começaram por me dar esperança. Acreditar em algo superior a mim que me poderia devolver à sanidade faz sentido, pois já não acreditava em mim e apenas tinha o programa para me agarrar.
Só no Sexto Passo percebi, que estava a iniciar aquilo que chamo recuperação. Os passos anteriores preparam-me para ter consciência dos danos, ter esperança, identificar defeitos de caráter, aliviar meu sofrimento falando com outro ser humano; mas, no Sexto Passo, arranquei para uma nova etapa.
Tomei consciência de mim – passei a ter maturidade. Eu andava com sentimentos adormecidos, não queria enfrentar o que não percebia. Admitir defeitos de caráter, como o medo, foi mais fácil, pois é possível ocultá-lo. Mas, e a raiva? Aquela tampa que me saltava porque todos me deviam e ninguém me pagava? A raiva, que até então não era um defeito de caráter que eu admitisse ter? Ora, aí estava ela, fervente, para ser trabalhada, questionada e sentida.
Comecei a falar em primeira pessoa e passou a sair-em: Eu sinto, em vez de: Ele diz que… Com esforço e trabalho, passei a aperceber-me da minha responsabilidade pela recuperação, dos defeitos que queria eliminar e daqueles dos quais ainda não me queria livrar.
Ainda não consegui libertar-me de alguns defeitos de caráter. Gostaria de parar de comer compulsivamente, pois tem a ver com o respeito por mim, mas este é um dos tais defeitos que ainda não estou disposta a largar.
No Sexto Passo, voltei a recordar-me de valores e a perceber o que é humildade. Exige trabalho, foco e ação. Toda a minha vida estava desgovernada. Os pequenos objetivos que inicialmente estabeleci ajudaram-me a crescer de uma forma que nunca pensei ser possível. Antes de fazer esse passo, não tinha consciência de que minha zona de conforto estava na criança que havia em mim, à espera de ser cuidada ou de cuidar de alguém de um modo imaturo. Percebi que era possível crescer e ter maturidade adequada à minha idade, em vez de esperar que outros me dessem pronto aquilo que, na realidade, apenas eu posso fazer.
Autora: Ana R., Portugal, Revista Partilhar nº 91.
Fonte: Revista Vivência, edição nº 203, páginas 49 e 50, do intercâmbio com Portugal.